sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley

Gostei muito do livro "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley. Mas antes de começar a sua leitura, não acreditei que poderia afirmar isso. Em primeiro lugar porque nunca fui um grande apreciador de obras de ficção. Resolvi experimentar depois de ler uma resenha no especial da Bravo sobre literatura estrangeira.

As primeiras páginas foram bem cansativas devido ao grande número de termos médicos que o autor utilizou. Ali pela página 50, a coisa fluiu. O enredo da história centra-se no conflito entre um mundo organizado em bases tecnológicas e o mundo dito selvagem. No primeiro, as pessoas não nascem da barriga de suas mães, mas sim em laboratórios. Desde que vêm ao mundo, as crianças sofrem uma espécie de lavagem cerebral que as faz crer que pertencem a uma determinada casta, que desempenha um papel na sociedade. Essencialmente, existe a divisão entre os indivíduos superiores (alfa-mais e alfa-menos) e os inferiores (os gamas e os ypsilons). Não por acaso, as atividades penosas são desenvlvidas pela casta inferior, também conhecida como classe trabalhadora. Já as profissões de comando são ocupadas pela casta dos "alfa". Como se pode perceber, as diferenças com o mundo de hoje não são tão grandes. O interessante é que nesta sociedade, nenhum pessoa questiona a sua posição social, já que desde a infância ela é induzida a gostar daquilo que faz. Apenas alguns homens que sofrerm problemas em sua criação nos laboratórios é que são capazes de pôr em dúvida essa estrutura. Esse é o caso de Bernard Marx. Não sei se o sobrenome do personagem faz alusão ao pensador e filósofo comunista Karl Marx, mas acredito que sim, porque na história vários outros personagens importantes foram citados como, por exemplo, o estudioso da psicologia comportamental Ivan Petrovich Pavlov, que dá nome às salas de condicionamento infantis, entre outros.

Na obra, Bernard Marx é exatamente aquele que se sente insatifeito com o mundo onde vive. E como se sabe, o pensador Karl Marx organizou todo o seu arcabouço teórico visando a construção de uma outra sociedade diferente da qual ele viveu. Disso depreende-se que tais referências não são casuais, mas estão todas fundamentadas historicamente.

Um aspecto que gostaria de destacar é o fato de Huxley substituir a tradicional imagem de Deus existente na nossa sociedade, pela figura de Henry Ford, fundador da Ford Motor Company e o primeiro empresário a aplicar a montagem em série de forma a produzir em massa automóveis em menos tempo e a um menor custo. A troca me pareceu perfeita, pois o fordismo, como técnica de produção em série, serviu perfeitmente para aludir a produção de seres humanos em laboratório mostradas em Admirável Mundo Novo. Com a troca de Deus por Ford, os anos passam a ser contados a partir da data de nascimento do segundo, em 1894, e funda-se, então, uma religião oficial onde todos o adoram através de rituais nos quais o sinal da cruz é um T (nome do primeiro automóvel produzido em série). Realmente, uma montagem irretocável de Huxley.

Excetuando-se esses aspectos, o conflito fundamental se dá entre os dois mundos: o selvagem e o tecnológico. Bernard Marx, ao sentir-se deslocado no mundo cientificizado, especialmente pela sua aparência física diferente dos integrantes da sua casta, resolve adentrar ao reduto dos selvagens com o objetivo de conhecer uma realidade diferente e acaba encontrando uma mulher oriunda da sua civilização, chamada Linda, e o seu filho, nascido entre os selvagens, John. Ao conhecê-los Bernard vê uma possibilidade de conquistar o respeito social pela apresentação de John como um exemplar dos selvagens à sociedade civilizada. Com a ida de John ao mundo civilizado surgem os diálogos e o exercício de comparação propostos pelo autor entre o mundo tecnológico e a realidade selvagem. No primeiro prevalece a poligamia e a alienação, já que a qualquer sinal de tristeza, basta tomar uma pílula de "soma" - droga distribuída pelo governo à população - para que tudo se resolva rapidamente. No universo selvagem ainda predomina a monogamia e a crença um tanto quanto "instintiva" em Deus, em um mundo rodeado pelas ameaças comuns da vida cotidiana como doenças e mortes, tal como nós estamos acostumados.

O diálogo final do livro entre o selvagem John e os representantes da "civilização" Bernard Marx e Helmholtz Watson é altamente filosófico. Em determinada altura John revela uma necessidade praticamente inexistente no "Mundo Novo": a de ficar sozinho. Todo o tempo que passa entre eles, John está sendo observado, e não aguentando a situação resolve tomar uma atitude que para muitos poderia parecer inaceitável, mas que para o selvagem lhe pareceu a saída mais inteligente: a própria morte. O mundo absurdo ao qual o "selvagem" foi levado a fazer parte determinou seu suicídio. Seria esse mais uma profecia de Aldous Huxley? Afinal, o modelo da civilização por ele descrito se assemelhou muito às idéias totalitárias que surgiram na primeira metade do século XX. O livro foi escrito em 1932, um ano antes de Hitler tornar-se chanceler da Alemanha.

Terminada a minha leitura, fiquei com a pesada sensação de ser aquele mesmo selvagem, só que agora em uma versão atualizada, vivendo em meio a uma sociedade cada vez mais distante da sua origem. Admirável Mundo Novo nos mostra a ciência como uma espécie de grandeza religiosa, que promete a salvação eterna através da saúde perfeita. Depois de ler que atualmente existe a possibilidade de escolhermos o sexo de nossos filhos por meio de seleção genética, e que em breve poderemos definir cor dos olhos, e feições do rosto da criança, vejo que a utopia da ciência-deus está mais próxima do que conseguimos supor.

Aldous Leonard Huxley nasceu em 26 de Julho de 1894 na cidade inglesa de Godalming, e faleceu em Los Angeles, no dia 22 de Novembro de 1963.