terça-feira, 28 de abril de 2009

Delírios mentais em tons de laranja

Remexendo há dias atrás no livro O Mundo de Sofia, de Jostein Gaarder (São Paulo, Cia das Letras, 1995) em busca de informações a respeito da filosofia de Kierkegaard, lembrei de algo que até hoje me parece um tanto estranho: comentei com a Cláudia que sempre que pensava nas imagens de Kierkegaard e Spinoza, ambas sempre surgiam em minha mente em tons de laranja.

Spinoza (19632-1677) e Kierkegaard (1813-1855)

Buscando compreender esse fato, comecei a lembrar de algumas circunstâncias que de alguma forma podem explicar melhor o caso.

Creio que tudo teve início quando li esse mesmo livro, O Mundo de Sofia, e descobri que Spinoza tinha nascido na Holanda, um país nórdico. Como sabemos, a Dinamarca, país onde nasceu Kierkegaard, também está localizada na região norte da Europa. E a confusão deve ter começado aí. Com meus 15 anos acreditava que ambos eram holandeses.

Mas onde entra o laranja na história?

O uniforme de 1994

Pois bem, para mim desde os 10 anos a Holanda esteve associada à cor laranja em função do uniforme utilizado pelo país em sua participação na Copa de 1994, a qual acompanhei de perto. Daí advinha então a minha visão alaranjada de Spinoza e Kierkegaard. Porém, tenho que fazer um acréscimo. Até hoje não conhecia a fisionomia do filósofo dinamarquês. Sempre quando pensava no seu rosto, o que me vinha à cabeça era a figura desenhada no famoso quadro O grito (de Edvard Munch, 1893), mas, assim como Spinoza, sempre em tons de laranja.

Nesse momento, esse fenômeno eu não saberia explicar corretamente, mas investingando as minhas próprias sensações, lembro que no instante da leitura sobre Kierkegaard no Mundo de Sofia, a impressão que me ficou dele sempre foi a de um terrível sentimento de alguém profundamente mergulhado no cristianismo, mas que tinha suas dúvidas em relação à fé, portanto, uma pessoa em desespero. E desespero e horror é exatamente o que vejo no rosto da pintura, que, no meu caso, aparece através de uma lente laranja.

O grito, de Edvard Münch (1893), ou, para mim, um Kierkegaard estilizado...

É interessante observar que não apenas a cor laranja atravessa minha vivência, mas a fruta também. Em uma aula de 2004, apresentando um trabalho sobre o princípio da era moderna, descobri que a laranja era um importante símbolo de riqueza no universo da burguesia flamenga (holandesa) ainda no século XV. Devido a este fato, um grande comcerciante chamado Giovanni Arnolfini, com o intuito de exibir e afirmar a todos o seu grande poder econômico pediu que o famoso pintor holandês Jan van Eyck pintasse ele e sua mulher em um quadro magnífico que ficou conhecido como O Casal Arnolfini, de 1434. Tente perceber na imagem que ao lado esquerdo do quadro, próximo à janela, aparecem algumas laranjas. No século XV, as laranjas eram raríssimas no norte da Europa e somente as famílias abastadas podiam adquirí-las para consumo. Decorre daí a impotância da laranja como representação da riqueza e do luxo entre a burguesia holandesa da era moderna.

O casal Arnolfini, de Jan van Eyck (1434)

Bom, acho que chega. A doideira foi grande, então ficamos por aqui.

Viva o laranja!

P.S. Clique nas imagens para ampliá-las

Mal-estar

Pensando bem, é, talvez, na solitudine que, por ligeiros instantes, deixamos de mal-estar.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Família: uma sentença reflexiva

Não conhecia este historiador. Cláudia me mostrou uma interessante frase encontrada em um dos seus livros.

Seu nome é Mark Poster:






A família é o lugar donde se procura desesperadamente fugir e o lugar onde nostalgicamente se procura refúgio.

POSTER, Mark. Teoria Crítica da Família. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979, p. 9.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Imagens...

que falam por si.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

25 anos

Basicamente dependente e ainda desempregado. Comemorar o quê?

terça-feira, 7 de abril de 2009

Raízes do Brasil: um almanaque sobre a flora brasileira ou um livro de Sérgio Buarque de Holanda?

No primeiro semestre do ano de 2008 eu iniciava o curso de Especialização em História do Brasil na UFSM. Entre todas as cadeiras que tive a oportunidade de fazer, uma delas (a de História Social do Brasil) talvez tenha a sido a mais pesada em termos de leitura, mas, em contrapartida, aquela que abriu o maior número de perspectivas acerca da historiografia brasileira. É verdade que a maioria das obras trabalhadas não foram escritas por historiadores formados, mas certamente incluem-se como produções fundamentalmente históricas. Os livros lidos foram:

  • A evolução política do Brasil, de Caio Prado Jr (São Paulo: Brasiliense, 2001);
  • Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda (São Paulo: Cia das Letras, 1995);
  • Casa-grande e senzala, do sociólogo Gilberto Freyre (Rio de Janeiro: record, 1992);
  • A formação das almas, do historiador José Murilo de Carvalho (São Paulo: Cia das Letras, 2002) ;
  • Coronelismo, enxada e voto, do advogado Victor Nunes Leal (São Paulo: Alfa-Ômega, 1986);
  • Subúrbio, de sociólogo José de Souza Martins (São Paulo: Hucitec/Unesp, 1992);
  • Ditadura envergonhada, do jornalista Elio Gaspari (São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

De todas elas, pessoalmente me senti atraído pelas três primeiras, talvez por serem clássicos, e me surpreendi especificamente com Subúrbio, que trata essencialmente da inserção da cidade de São Caetano na formação histórica do chamado ABC paulista, mesclando análise de fontes com pitadas de romance policial.

As aulas funcionavam da seguinte maneira: cada aluno escolhia um livro para a sua apresentação, e também era responsável pela produção de um texto sobre a leitura. Como há tempos atrás eu já havia recebido a indicação de que Raízes do Brasil era uma obra excepcional, optei por ela e definitivamente acertei na escolha. Provavelmente tenha sido uma das melhores leituras dos últimos tempos, mesmo não compartilhando do arcabouço teórico utilizado por Sérgio Buarque de Holanda, como é o meu caso.

Imagem de pai e filho juntos: Chico e Sérgio. Observe o cigarro na mão de ambos.

Pois bem, o prazer de ler Raízes do Brasil foi tanto que decidi comprá-lo na feira do livro de Santa Maria, em 2008. Chegando lá, encontrei edições novas de Raízes do Brasil pelo preço de R$ 28,00. Por considerar um tanto caro, segui procurando por um valor mais baixo ou uma edição usada.

Edição mais recente, de 2006

Quando já estava praticamente indo embora da feira, sem o livro, dei uma olhada para os lados e vi que numa banca de livros espíritas havia um pequeno espaço para venda de saldos: 1 livro por 4 reais e 3 por 10 reais. Pensei em ir ali dar uma olhada, ver se encontrava alguma coisa boa e barata. Para a minha surpresa lá estava Raízes do Brasil, em ótimo estado, na sua 6ª edição, de 1971. Na hora não me contive e falei alto que não acreditava naquilo. Comentei com a Cláudia que certamente muitos devem desconhecer quem foi Sérgio Buarque de Holanda, afinal seu nome está mais restrito ao estudantes de ciências humanas. Em tom de brincadeira, comentamos que para um leigo que observasse o título da obra (Raízes do Brasil), poderia pensar que se tratava de uma enciclopédia sobre a flora do país ou coisa assim. Foi o que veio à cabeça quando vi esta obra sendo vendida a preço de banana.

A 6ª edição, de 1971

Sem algazarras, fui calmamente até o atendente da banca e perguntei quase silenciosamente, para ele não perceber que eu tinha um interesse mortal pelo livro, quanto custava. E ele disse:

- Quatro reais.

Eu perguntei de novo, para ter a absoluta certeza:

-Quanto mesmo?

- Quatro reais!

Ao me responder ele deve ter pensado: "O que esse cara quer com um livro desses? Por que tanta incredulidade?"

Antes dele desconfiar que eu pagaria mais pelo livro, eu disse:

- Vou levar!

Ufa! Essa foi inesquecível. Não é sempre que temos a oportunidade de comprar um livro do pai do Chico Buarque pelo valor de miseráveis R$ 4,00. Assim, para aqueles que tiverem interesse em ler a obra, posso emprestar, e para informar melhor sobre o seu conteúdo e o contexto histórico em que foi produzida, posto aqui o trabalho que fiz para a cadeira de História Social do Brasil. Ele se divide em quatro partes: a primeira faz um resumo breve do conteúdo, a segunda descreve aspectos da vida pessoal e intelectual de Sérgio Buarque, a terceira promove um diálogo com outras obras historiográficas que abordam fundamentos históricos e teóricos do livro e, por fim, na última parte faço uma avaliação pessoal sobre Raízes do Brasil. Se você tiver paciência, leia!

Análise da obra 'Raízes do Brasil', de Sérgio Buarque de Holanda
Por André Vinicius Mossate Jobim
23.04.2008


1. Resumo da obra

Raízes do Brasil, obra símbolo de uma época, foi publicada em 1936 sob a autoria de Sérgio Buarque de Holanda, quando ainda não era o “pai do Chico”. O livro, curto, claro, discreto e objetivo, divide-se em sete capítulos que, juntos, teorizam sobre nossa formação histórica e social.

O capítulo 1 caracteriza a Península Ibérica assinalando que o seu desenvolvimento, por se dar em um território fronteiriço, não ocorreu da mesma forma que em outros países europeus. Esse fato deu à região uma série de características peculiares, que seriam trazidas ao Brasil no bojo das grandes conquistas marítimas. Entre esses aspectos singulares estava a cultura da personalidade, na qual o apego pelo prestígio pessoal resultava na ausência de uma moral de culto ao trabalho, diferente dos países protestantes. Daí teria origem uma outra característica importante: a fraqueza das instituições e falta de organização social. Em contrapartida, o fato de os hispânicos não conceberem uma disciplina baseada em consentimento coletivo, gerava entre eles um paradoxal senso de obediência.

No capítulo 2, seguindo o paradigma das tipologias weberianas, são construídos os modelos do trabalhador e do aventureiro. O primeiro, único que poderia colonizar o Brasil justamente por possuir uma excepcional adaptabilidade, caracterizava-se por buscar novas experiências, ignorar fronteiras e viver de horizontes distantes. Já o segundo era marcado pelo esforço persistente, por conseguir tirar proveito das insignificâncias e ver antes a parte que o todo. A grande lavoura, principal unidade produtiva da colônia, se constituiu não com base em um plano preconcebido pelos portugueses, mas sim ao sabor das condições primitivas do meio. O uso de escravos foi a forma escolhida para o trabalho, o que também se adequava à repulsa lusitana pela atividade manual e contribuía para diminuir ainda mais a necessidade de cooperação entre os conquistadores.

Herança colonial, o capítulo 3, tematiza a estrutura rural da sociedade colonial. O declínio da mesma se deu a partir de 1850 em função do fim do tráfico escravo, que era sua base de sustentação desde o século XVI. Nesse contexto, se estabelece uma nova dicotomia, a relação rural-urbano, que se manifesta igualmente no universo mental, onde a visão de mundo tradicional entra em conflito com valores modernos. O malogro de Mauá, em tempos onde o patriarcalismo e o personalismo eram hegemônicos, aponta para a incompatibilidade das estruturas nacionais com as práticas mais “industrializantes”. Aqui, a fazenda, vinculada a uma idéia de nobreza, ainda predomina sobre a cidade.

Estreitamente ligado ao capítulo anterior, “O semeador e o ladrilhador”, um dos mais brilhantes do livro, estabelece uma nova oposição. O espanhol, ou o ladrilhador, se caracterizava por tornar suas cidades um exemplo de racionalidade, onde a linha reta obtinha o triunfo. O semeador, ao contrário, representava o português, aferrado ao litoral, que construía cidades irregulares, nascidas e crescidas sem o mínimo planejamento. A origem desses traços lusitanos era explicada pelo seu desejo de fazer fortuna rápida, dispensando o trabalho regular.

O quinto capítulo, um dos mais discutidos, aborda alguns elementos que definiriam (não de forma absoluta) a identidade nacional. Apropriando-se de um conceito de Ribeiro Couto[1], Sérgio Buarque afirma que o "homem cordial" é resultado da cultura patrimonialista e personalista própria da sociedade brasileira. A nossa cordialidade enfatizava o predomínio de relações humanas mais simples e diretas que rejeitavam a polidez e a padronização, características da civilidade. A dificuldade de constituição de um Estado “civil” brasileiro se expressava no fato de que essa instituição não era (e não é) um prolongamento da família. A hegemonia de valores familiares e patriarcais, vinculadas também ao homem cordial, impedem uma distinção clara entre a noção de público e privado.

O sexto capítulo debate as consequências da presença lusitana na configuração da sociedade brasileira, a partir da vinda da família real para o Brasil. Apesar do choque causado aos velhos padrões coloniais, a permanência do personalismo português determina alguns traços da nossa intelectualidade, ou seja, o conhecimento (superficial) era importante apenas na medida em que dava prestígio e diferenciação. O apego às idéias fixas e simplórias facilitava o trânsito do positivismo entre nossos pensadores. A decorrência disso na vida política correspondeu à ausência de um espírito democrático, demonstrando a necessidade de transformar o paradigma dos movimentos reformistas, feitos, até então, somente de cima pra baixo.

O sentido marcadamente político da obra aparece em “Nossa revolução”, onde o autor demonstra a diferença das revoluções ocorridas aqui na América em comparação com os movimentos europeus. E no caso brasileiro, apesar do urbano ir assumindo a sua independência em face do rural, esse processo ainda não está completo. Somente quando aniquilarmos as raízes ibéricas de nossa cultura e propiciarmos a emergência das outras camadas sociais, aí sim teríamos finalmente concluído a nossa “revolução”. É evidente, nos alerta Sérgio Buarque, que ao ocorrer esse processo, as resistências conservadoras poderão surgir, no entanto, ainda podemos acreditar que uma democracia efetiva se concretize na América Latina. E é pela defesa desse ideal que o caráter político de Raízes do Brasil salta aos olhos em seu último capítulo, finalizando um trabalho de peso na nossa historiografia.


2. Biobibliografia

Nascido em 11 de julho de 1902, em São Paulo, Sérgio Buarque de Holanda viveu sua infância e uma parte de sua juventude nessa cidade. Seus pais eram Cristóvão Buarque de Holanda, funcionário público, e Heloísa Gonçalves Moreira.

Desde muito cedo, apaixonado pela leitura, adquiriu o hábito de anotar suas impressões daquilo que lia. Ainda jovem estudante tomou contato com os escritos dos velhos cronistas portugueses, que o fascinavam principalmente pela linguagem bonita, exata e incisiva.[2] Essa seria, mais tarde, uma das características da sua própria produção. Além dos clássicos portugueses, vai se aproximar de autores estrangeiros, enriquecendo ainda mais seu universo verbal. De acordo com depoimentos de personagens do movimento modernista, Sérgio, apesar de ser um dos mais novos, era um dos mais informados entre todos..

Afonso de Taunay, seu professor, ao ter acesso a alguns escritos do aluno, abriu espaço para a publicação de um artigo seu no jornal Correio Paulistano, quando ele tinha apenas dezoito anos. Defendia, já nesse artigo, dando eco ao nacionalismo que repercutia no clima de pós-guerra, a necessidade de uma literatura verdadeiramente nacional. Entre seus amigos em São Paulo destacavam-se Guilherme de Almeida, Sérgio Millet, Mario de Andrade e Oswald de Andrade.

O ano de 1921 foi marcante. Sérgio mudou-se com a família para o Rio de Janeiro e ingressou na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, onde se formou em 1925. Dessa época nascem outras duas grandes amizades: Prudente de Moraes, neto, e Afonso Arinos de Melo Franco. Conheceu também Graça Aranha, idealizador da Semana da Arte Moderna, Manuel Bandeira, Di Cavalcanti e Ronald de Carvalho. A convivência de Sérgio com esses artistas, poetas e intelectuais foi fundamental para entendermos a sua relação com o movimento modernista. Nesses tempos iniciou sua colaboração ao Rio-Jornal com crônicas e entrevistas. Também passou a publicar na Revista do Brasil, dirigida por Monteiro Lobato, e em O Jornal. A essa altura, o curso de direito pouco o interessava. Como forma de conquistar estabilidade financeira, ingressou na Agência Havas, sob o comando de Assis Chateaubriand, como tradutor de telegramas em inglês.

Em 1922, ano de intensa agitação representada pela organização da Semana da Arte Moderna, a fundação do PCB, o centenário da independência e a sucessão presidencial, Sérgio assume sua identidade modernista ao dirigir no Rio de Janeiro a primeira revista ligada ao movimento, intitulada Klaxon (1922-1923). O objetivo geral desse grupo era lutar contra o academicismo da nossa literatura, ainda muito ligada aos padrões europeus, e construir no Brasil uma nova identidade nacional.

Em 1924, ao lado do amigo Prudente de Moraes neto, fundou a revista modernista Estética, que também teve vida breve (1924-1925). Após conflitos internos dentro do movimento, Sérgio partiu, em 1926, para uma temporada no Espírito Santo para dirigir o jornal O Progresso. Na volta, retomou o trabalho na United Press e no Jornal do Brasil. Em 1929, atendendo a um convite de Chateaubriand, transferiu-se para o continente europeu com o propósito de visitar Alemanha, Polônia e Rússia, e escrever sobre a situação daquele continente para o Diário de São Paulo, O Jornal e Agência Internacional de Notícias.

Fixado em Berlim, teve a oportunidade de assistir aulas do historiador Friedrich Meinecke[3] e ler Weber e Rilke[4]. Esse fato foi de suma importância na escrita de Raízes do Brasil, que já vinha sendo pensado antes da ida à Europa e possuía o nome de Teoria da América. Na Alemanha colaborou com a revista Duco, da embaixada brasileira, e traduziu roteiros de filmes, um deles estrelados por Marlene Dietrich. Sua estada também lhe permitiu entrevistar Thomas Mann e testemunhar o surgimento do nazismo. Com o fechamento da revista Duco, voltou ao Brasil em 1930.

Os anos trinta, marcados pelo movimento liderado por Getúlio, pela ascensão dos regimes totalitários, pela expansão do comunismo e pela Revolta Constitucionalista, também são significativos na vida de Sérgio Buarque. Depois de publicar seu primeiro conto em 1931, é preso em 1932 pelo governo por defender São Paulo na questão da constituição. Nessa época passa a dar maior interesse à história em detrimento da ficção e da poesia, fato que certamente tem relações com o seu tempo na Alemanha. De lá trouxe dois capítulos de Raízes do Brasil, afirmando que os escreveu sob forte influência do sociólogo alemão Max Weber. A publicação da obra data do ano de 1936, momento posterior ao levante de 1935, e a criação de uma série de medidas governamentais que atendiam a algumas demandas das classes populares. O livro, de certa forma, reflete esse aparecimento das classes sociais, pois nele há um claro combate às velhas oligarquias e o desejo de ver o Brasil organizado em novas estruturas. Além disso, também estabelece uma crítica objetiva à democracia liberal, questionada mundialmente depois de 1929. É dentro desse panorama que Raízes do Brasil deve ser contextualizado.

Ainda nesse ano passa a dar aulas na universidade do Distrito Federal até 1939. Depois das aulas, passou a dirigir, durante o Estado Novo, o Instituto Nacional do Livro e a fazer suas críticas literárias no Diário de Notícias e no Diário Carioca. Em 1944, os ensaios escritos para esses veículos foram reunidos e publicados sob o título de Cobra de Vidro.

Com o fim do regime varguista, atuou na fundação da Esquerda Democrática, mais tarde Partido Socialista, e foi eleito presidente da seção do Distrito Federal da Associação Brasileira de Escritores. Em 1946, voltando à cidade de origem, foi designado para o cargo de Diretor do Museu Paulista, atividade que desenvolveu até 1956. Ainda em 1949 esteve novamente na Europa, com palestras sobre o Brasil na Sorbonne. Em 1952 seguiu com a família para a Itália por dois anos para atuar como professor na Universidade de Roma. Voltou em 1957, ano da publicação de Caminhos e Fronteiras. Em 1958 assumiu a cátedra de História da Civilização Brasileira, na USP, defendendo a tese que logo adiante se tornaria um novo livro: Visão do Paraíso, visto por alguns como obra precursora da história cultural no Brasil.[5]

De 1963 a 1966 vai ao Chile, EUA, Peru e Costa Rica, sempre na qualidade de professor convidado. Em função do AI-5, em 1969, deixa a USP em solidariedade a alguns de seus colegas exilados. Mais tarde, como bom modernista, recusou o convite para fazer parte da Academia Brasileira de Letras, pois dizia que não tinha a ver com sua personalidade. Durante os anos setenta, ganhou alguns prêmios literários e ajudou a fundar, ao lado de Oscar Niemayer o Centro Brasil Democrático, na linha de combate à ditadura. No fim da vida publicou Tentativas de Mitologia, em 1979. O seu ato derradeiro foi tornar-se membro fundador do PT em 1980. Antes de completar 80 anos, falece em 24 de abril de 1982, em São Paulo. Por fim, cabe concluir que certamente Sérgio Buarque de Holanda não foi uma figura humana qualquer, pois, além de ter levado uma vida cosmopolita e de ser um erudito no melhor sentido da palavra, também era o “pai do Chico”.

Obras: Antologia dos poetas brasileiros da fase colonial. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1952; Caminhos e fronteiras. Rio de Janeiro: José Olympio, 1957; Cobra de vidro. São Paulo: Martins Editora, 1944; Elementos básicos da nacionalidade. Rio de Janeiro: Escola Superior de Guerra, 1967; Expansão paulista em fins do século XVI e princípio do século XVII. São Paulo: Instituto da Administração da USP, 1948; O extremo Oeste. São Paulo: Brasiliense, 1986; Monções. Rio de Janeiro: Caso do Estudante do Brasil, 1945; Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1936; Tentativas de mitologia. São Paulo: Perspectiva, 1979; Visão do Paraíso. Os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil.Rio de Janeiro: José Olympio, 1959.


3. Problematização

Delimitar as grandes questões levantadas por uma obra do porte de Raízes do Brasil é um exercício de difícil concretização. Deixando de lado os resmungos, entendo que, dentro dos marcos da historiografia contemporânea, a obra antecipa, centrada em outros conceitos como patriarcalismo e personalismo, uma discussão fundamental sobre o que hoje se compreende como clientelismo. Atualmente o brasilianista Richard Graham tem se debruçado sobre a questão, que tratou mais detidamente em Clientelismo e política no Brasil do século XIX. Nela, o clientelismo surge como um sistema que tende a consolidar a supremacia dos proprietários de terra articulada ao poder central através das eleições fundadas nas relações pessoais (entre o patrão e o cliente) que tornam nublados as diferenças entre o “público” e o “privado”. Para Graham, o clientelismo tinha suas origens ainda no período colonial.

A teorização de Sérgio Buarque de Holanda, iniciada a partir das relações personalistas que caracterizam a presença lusitana no Brasil, reflete exatamente sobre essas origens. Como ele mesmo afirma: “o tipo primitivo de família patriarcal existente no Brasil tornava difícil aos detentores das posições públicas, formados em tal ambiente, compreenderem a distinção fundamental entre os domínios do privado e do público” (p. 145).

Tais traços, afirma Sérgio, ainda não foram superados, pois essas “sobrevivências arcaicas, o nosso estatuto de país independente até hoje não conseguiu extirpar” (p. 180). A argúcia dessa percepção pode ser utilizada até o presente, pois certamente ainda convivemos com essa realidade. O que dizer de casos de nepotismo ou de uso de dinheiro público em benefício pessoal, tão banais na nossa política?

No campo da historiografia, apesar de empreender uma análise histórico-psicológica, o autor consegue captar um aspecto típico da chamada história das mentalidades, que ganhará destaque nos anos sessenta, ou seja, um elemento que pertence ao campo do estrutural, da longa duração: “A influencia dessa colonização litorânea, que praticavam, de preferência, os portugueses, ainda persiste até nossos dias. Quando hoje se fala em “interior”, pensa-se, como no século XVI, em região escassamente povoada e apenas atingida pela cultura urbana” (p. 101).

Um segundo ponto que considero de extrema relevância na obra é a utilização do conceito weberiano de tipo ideal, que, de forma geral, seria a construção ideal de como se desenvolveria uma forma particular de ação social se ela fosse feita racionalmente em direção a um fim. Nesse sentido, o tipo ideal é um conceito vazio de conteúdo real que procura servir de horizonte para uma comparação com os fenômenos históricos. Em Raízes do Brasil, Sérgio Buarque traduz essa metodologia através de um mapeamento dos pares antagônicos como, por exemplo, o trabalhador e o aventureiro, o rural e o urbano, o impessoal e o afetivo, etc. Como foi afirmado, essas tipificações são ideais. O autor nos alerta que elas não “possuem existência real fora do mundo das idéias” (p. 44/45).

Outro elemento levantado, ainda dentro da ótica weberiana, é a utilização, por meio de uma metodologia comparativa, dos conceitos de patrimonialismo e burocracia para analisar o Estado brasileiro e constatar que este não se enquadra no modelo estatal elaborado pelo sociólogo alemão: “para o funcionário patrimonial, a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere-se relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos, como sucede no verdadeiro Estado burocrático, em que prevalecem as especializações das funções e o esforço para se assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos” (p. 146).

Ao que parece, muito mais inovador que o uso desses instrumentos para a análise de nossa formação histórica e social, é o fato de, até os anos trinta, Sérgio Buarque ter sido o primeiro a empreender uma tentativa de aplicar os conceitos de Max Weber dentro da historiografia brasileira.

Mais uma grande questão que se evidencia em Raízes do Brasil é a presença de elementos modernistas na obra. A crítica ferrenha elaborada por Sérgio à intelectualidade brasileira, é produto do contexto literário modernista em que estava inserido. Quando ele afirma que: “é freqüente, entre os brasileiros que se presumem intelectuais, a facilidade com que se alimentam, ao mesmo tempo, de doutrinas dos mais variados matizes e com que sustentam, simultaneamente, as convicções mais díspares” (p. 155), coloca em questão o próprio exercício da atividade intelectual, que até então se preocupava apenas com as reflexões vindas de fora, sem pensar o Brasil a partir da sua própria cultura. E essa aproximação com a nossa nacionalidade, exigência dos “modernos”, estava relacionada com a busca por uma identificação do novo intelectual com a cultura popular.[6] No que tange à necessidade moderna de construir um sentimento de brasilidade, desligado da visão de mundo puramente européia, Sérgio Buarque foi um dos primeiros a dizer claramente que “o próprio povo brasileiro tinha de assumir as rédeas do seu destino”,[7] aniquilando as suas raízes ibéricas, exacerbando assim um claro traço nacionalista.

Até então, mesmo os pensadores mais abertos e avançados viam a solução na liderança esclarecida das elites, que seriam as únicas em condições de orientar e guiar um povo pobre, ignorante, oprimido, incapaz de se dirigir. Raízes do Brasil rompia as ilusões liberais, atribuindo à massa do povo a capacidade de iniciativa e criatividade política. Por isso, a sua leitura correta mostra que além de ser uma teoria geral do Brasil, ele é um momento alto do nosso pensamento radical.[8]


O caráter histórico e não absoluto de algumas de suas afirmações também chamam a atenção. A influência recebida pela Escola Histórica Alemã, enquanto esteve na Europa, repercutem na obra em contraposição às visões positivistas sobre ciência. Para o historicismo, a relação entre as palavras e a realidade era uma questão de interpretação e não de dedução, daí o cuidado de Sérgio com a utilização dos conceitos. Como ele mesmo afirma: “a história digna de tal nome, justamente porque quer exprimir a verdade, requer acurado trabalho de redação e elaboração, que dificilmente admite linguagem desleixada”. Para ele, “mais valia a empatia do que a exorbitância de um raciocínio discursivo, intelectualismos, critérios puramente abstratos, tendências esquematizadoras. Como instrumento de conhecimento do historiador era preciso a todo o custo nuançar conceitos, ajustar palavras; mais do que o rigor analítico, cabia ao historiador cultivar certa inteligência da sensibilidade”.[9] E esse dado realmente é patente em sua obra, e salta aos olhos quando comparados com o livro anterior, de Caio Prado Jr.

Outra parte da argumentação de Sérgio Buarque está direcionada contra alguns preceitos da ciência positiva, ainda dominante nos anos trinta. Nesse caso, o nosso autor, contrariando determinadas explicações “históricas”, valoriza o cultural no seu sentido social em detrimento das explicações biológicas: “se semelhantes características predominaram com notável constância entre os povos ibéricos, não vale isso dizer que provenham de alguma inelutável fatalidade biológica ou que, como as estrelas do céu, pudessem subsistir à margem e à distancia das condições de vida terrena” (p. 36). Sobre isso, é importante ressaltar que o seu respaldo teórico também passava pelo conhecimento da nova história social francesa[10], que, no Brasil, iria ganhar maior visibilidade apenas nos anos oitenta! Talvez, por isso, Sérgio seja visto como precursor da nossa história cultural.

Outro ponto importante refere-se à valorização do indígena como elemento constituinte de nossa cultura, e não como uma deformação ou problema. A sua descrição sobre as trilhas terrestres construídas pelos indígenas, aponta para a contribuição decisiva desses na expansão das bandeiras ao interior do país. Além desse fator, também é destacado o uso da linguagem tupi como forma de comunicação, da qual os traços ainda persistem nos dias de hoje em nosso vocabulário. Evidencia-se, desse modo, a grande porta que Sérgio Buarque, ao lado de Gilberto Freyre, abre aos estudos da cultura no Brasil.

Para finalizar, talvez um dos temas mais discutidos, não tanto no campo da história mas no das ciências sociais em geral, ou mais especificamente da antropologia, é a tese sobre o homem cordial. Formado dentro dos quadros de uma estrutura familiar de herança lusitana, o brasileiro teria se caracterizado pelo desapego com aquilo que é formal, pela dificuldade em cumprir os ritos sociais que não sejam pessoais e afetivos, e de separar racionalmente as diferenças entre o público e o privado. Afirma Sérgio Buarque: “a lhaneza no trato, a hospitalidade, e generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio rural e patriarcal. Seria engano supor que essas virtudes possam significar “boas maneiras”, civilidade. São antes de tudo expressões legítimas de um fundo emotivo extremamente rico e transbordante. Na civilidade há qualquer coisa de coercitivo – ela pode exprimir-se em mandamentos e sentenças” (p. 147). Entende-se, então, essa cordialidade não como concórdia, subserviência ou bondade, como pretendeu interpretar Cassiano Ricardo, mas talvez como uma certa passionalidade, como predomínio de uma ação menos polida, menos racionalizada e mais próxima do emocional. Esses traços se manifestam de outras formas, como afirma o próprio autor: o nosso vocabulário é inundado pelo emprego de palavras no diminutivo. Isso também se exemplifica na religião. O brasileiro possui uma relação profundamente pessoal com os seus santos, para o qual pede proteção e benefícios individuais. Portanto, é um equívoco compreender esse homem cordial como indivíduo bondoso ou algo semelhante.

Convém dizer também que esse traço não é absoluto. Em resposta à Cassiano Ricardo, um dos próceres do governo varguista, que procurava alimentar uma imagem positiva do brasileiro, Sérgio Buarque afirma, em 1948, que: "quero frisar, ainda uma vez, que a própria cordialidade não me parece virtude definitiva e cabal que tenha de prevalecer independentemente das circunstâncias mutáveis de nossa existência. Acredito que ao menos na segunda edição do meu livro, tenha deixado esse ponto bastante claro. Associo-a antes a condições particulares de nossa vida rural e colonial, que vamos rapidamente superando. Com a progressiva urbanização, que não consiste apenas no desenvolvimento das metrópoles, mas ainda e sobretudo na incorporação de áreas cada vez mais extensas à esfera da influência metropolitana, o homem cordial se acha fadado provavelmente a desaparecer, onde ainda não desapareceu de todo". Como é possível perceber, a cordialidade, apesar de ser um forte elemento do caráter nacional, não é a-histórico e pode se modificar de acordo com as circunstâncias.[11]

Nos anos oitenta, Roberta da Matta, importante antropólogo brasileiro, retoma as reflexões de Sérgio Buarque de Holanda em seu ensaio O que faz o Brasil, Brasil?, de 1984. Na sua análise da rua como espaço público e impessoal, da Matta recoloca a questão da casa como espaço privado por excelência em contraposição a essa rua, que é de todos e ao mesmo tempo de ninguém, portanto, espaço de desiguais. O fato é que tanto historiadores quanto antropólogos criticaram Sérgio Buarque e o próprio da Matta. Atualmente, compreender o “caráter” de um povo nos parece um tanto inadequado. Entretanto, entendo que as críticas devem ser feitas respeitando o contexto em que cada obra se coloca. No caso de Sérgio, a sociologia dos anos trinta ainda estava amplamente referenciada nas noções mais generalizantes, e esse dado tem que ser levado em conta para a sua análise. Erra Voltaire Schilling[12] ao afirmar que a cordialidade, para o nosso autor, é inata ao homem brasileiro. Anteriormente já foi possível observar que Sérgio Buarque trata do conceito como algo mutável, e não eterno, denotando a historicidade da sua reflexão.

Agora, efetivamente encerrando, saliento que em nenhum momento se desejou aqui dar conta de todas as questões levantadas por Raízes do Brasil, que como vimos, ultrapassam a simples discussão historiográfica. O que fiz foi trazer elementos que interpretei como importantes a partir do meu ponto de vista, e que entendi serem significativos para o presente trabalho. Espero, realmente, que este esforço sirva não só para clarificar o debate sobre Raízes do Brasil, mas sim incentivar outros a tomar contato com a obra e produzirem a sua própria crítica a esse marco da historiografia brasileira.


4. Avaliação pessoal da obra

Prazer. Essa é a palavra que expressa meu sentimento ao terminar a leitura Raízes do Brasil. Há tempos ouvia falar dela, mas, por um ou outro motivo, não a lia. O trabalho estético da escrita de Sérgio Buarque certamente chama a atenção em meio a tantos historiadores que não sabem produzir um bom texto.

Para além dessa impressão puramente subjetiva, avalio que o autor se destaca pela capacidade de estabelecer relações significativas entre o passado e o presente. A atualidade da obra é impressionante. A democracia no Brasil, depois de longos setenta anos, continua sendo um “lamentável mal-entendido” (p. 160). O país ainda reclama da “ausência de verdadeiros partidos políticos” (p. 183). A produção anual de toneladas de leis, mostra de forma cabal que grande parte de nossos políticos ainda acredita que “a letra morta pode influir por si só e de modo enérgico sobre o destino de um povo” (p. 178). Essas referências só me levam a concordar com o que disse Antônio Cândido: “Raízes do Brasil é um dos momentos mais importantes do pensamento radical no Brasil”.[13] Como sugestão, indicaria a nossos representantes darem uma folheada nessa obra.

Confesso que minha crítica mais contundente não é tão contundente assim. Apenas interpreto que, nos poucos momentos que o autor se refere aos negros escravos, ainda os apresenta de uma forma estereotipada, realçando características como “suavidade dengosa e açucarada”. Menos mal que não os apresenta como seres inferiores, tão comum a determinadas teorias da época que viam no europeu uma raça “superior”.

Também tenho minhas restrições ao autor quando ele procura justificativas para afirmar que pode haver compatibilidade entre o Brasil e os ideais democráticos. Uma dessas justificativas está no fato de que, no país, há uma “relativa inconsistência dos preconceitos de raça e cor”. Sabemos nós dessa falácia. O racismo no Brasil existe e talvez seja muito mais sutil do que conseguimos perceber. Talvez por isso alguns interpretem que aqui exista um preconceito mais “abrandado” contra o negro.

Obviamente que, levando em conta as muitas idéias que se apresentavam nos anos trinta, as minhas críticas tem que ser relativizadas e colocadas no seu próprio tempo, isto é, século XXI. Naquele momento, a negação das idéias de inferioridade do negro aparecia como um grande avanço, mesmo que hoje elas ainda nos pareçam transmitir uma certa idealização da imagem negra. Talvez seja por isso que comentei antes que a minha crítica não pode ser vista como tão contundente.

Outro aspecto fundamental da obra refere-se ao seu caráter profundamente político, em especial o seu último capítulo. Nele, Sérgio Buarque se posiciona contra inúmeras situações. Contra aqueles que vêem as saídas de nossos problemas em idéias vindas de fora. Contra o aparelho político que nega a espontaneidade nacional. Contra a ilusão liberal democrática de simples substituição dos detentores do poder. Contra as constituições não cumpridas e as leis violadas para beneficiar indivíduos e oligarquias. Enfim, ele se posiciona. E posicionamento é uma coisa que uma boa parte de nossos intelectuais ainda desconhece. Mas para finalizar, Sérgio Buarque não se coloca apenas contra tudo. Ele clama para que o Brasil olhe para si mesmo e finalmente se torne o ator de sua própria história: “as formas superiores da sociedade devem ser como um contorno congênito a ela e dela inseparável: emergem continuamente das suas necessidades específicas e jamais das escolhas caprichosas” (p. 188).

Raciocínios profundos, densidade e objetividade na escrita, reflexões baseadas em elementos concretos e um posicionamento político bem definido. Está aí a reposta que darei àqueles que vierem me perguntar sobre por que ler Raízes da Brasil? E acrescentarei: “além de tudo, Sérgio Buarque também é o pai do Chico”.


5. Referências bibliográficas

DIAS, Maria Odila da Silva. Estilo e método na obra de Sérgio Buarque de Holanda. IN: NOGUEIRA, Arlinda Rocha; PACHECO, Floripes de Moura; PILNIK, Márcia; HORCH, Rosemarie Érika. Sérgio Buarque de Holanda: vida e obra. São Paulo: Secretaria do Estado da Cultura/Arquivo do Estado/USP/Instituto de Estudos Brasileiros, 1988.

GOLDMAN, Elisa. A Cultura Personalista como Herança Colonial em Raízes do Brasil. Disponível em: . Acesso em: 20. abr. 2008.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo: Cia das Letras, 1995.

SCHILLING, Voltaire. BSérgio Buarque, o explicador dorasil. Educaterra. Disponível em: . Acesso em: 18. abr. 2008.

SOUZA, Antônio Candido de Mello e. Sérgio, o radical. IN: NOGUEIRA, Arlinda Rocha; PACHECO, Floripes de Moura; PILNIK, Márcia; HORCH, Rosemarie Érika. Sérgio Buarque de Holanda: vida e obra. São Paulo: Secretaria do Estado da Cultura/Arquivo do Estado/USP/Instituto de Estudos Brasileiros, 1988.

VAINFAS, Ronaldo. História das mentalidades e história cultural. In: CARDOSO, Ciro Flamarion. Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

VELLOSO, Mônica Pimenta. O modernismo e a questão nacional. In: DELGADO, Lucilia de Almeida Neves; FERREIRA, Jorge. O Brasil republicano I. O tempo do liberalismo excludente: da proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.


6. Bibliografia complementar

BEUTTENMÜLLER, Alberto. Sérgio Buarque de Holanda: o homem cordial. Digestivo Cultural. Disponível em: . Acesso em: 23. abr. 2008.

SILVEIRA, Éder. Notas sobre Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda e Teoria do Medalhão, de Machado de Assis. Disponível em: . Acesso em: 22. abr. 2008.

[1] Ribeiro Couto, modernista, conhecido como o penumbrista por dizer que preferia as tardes de garoa às manhãs de sol, foi contista, romancista, jornalista, magistrado e diplomata. Nasceu em Santos, em 1898. Faleceu em Paris, em 1963.

[2] NOGUEIRA, Arlinda Rocha; PACHECO, Floripes de Moura; PILNIK, Márcia; HORCH, Rosemarie Érika. Sérgio Buarque de Holanda: vida e obra. São Paulo: Secretaria do Estado da Cultura/Arquivo do Estado/USP/Instituto de Estudos Brasileiros, 1988. p. 30.

[3] Historiador alemão nascido em Salzwedel (1862-1954), considerado um dos fundadores da historiografia moderna, junto com seu mestre Wilhelm Dilthey.

[4] Rainer Maria Rilke nasceu em Praga em 4 de dezembro de 1875. É considerado como um dos mais importantes poetas modernos da literatura e língua alemã, por sua obra inovadora e seu incomparável estilo lírico. Faleceu em 1926.

[5] VAINFAS, Ronaldo. História das mentalidades e história cultural. In: CARDOSO, Ciro Flamarion. Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997; p. 59.

[6] VELLOSO, Mônica Pimenta. O modernismo e a questão nacional. In: DELGADO, Lucilia de Almeida Neves; FERREIRA, Jorge. O Brasil republicano I. O tempo do liberalismo excludente: da proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 320.

[7] SOUZA, Antônio Candido de Mello e. Sérgio, o radical. In: NOGUEIRA, Arlinda Rocha; PACHECO, Floripes de Moura; PILNIK, Márcia; HORCH, Rosemarie Érika. Sérgio Buarque de Holanda: vida e obra. São Paulo: Secretaria do Estado da Cultura/Arquivo do Estado/USP/Instituto de Estudos Brasileiros, 1988. p. 65.

[8] Ibid., p. 66.

[9] DIAS, Maria Odila da Silva. Estilo e método na obra de Sérgio Buarque de Holanda. IN: NOGUEIRA, Arlinda Rocha; PACHECO, Floripes de Moura; PILNIK, Márcia; HORCH, Rosemarie Érika. Sérgio Buarque de Holanda: vida e obra. São Paulo: Secretaria do Estado da Cultura/Arquivo do Estado/USP/Instituto de Estudos Brasileiros, 1988. p. 75.

[10] Essa afirmação pertence ao texto “O significado de Raízes do Brasil”, de Antônio Candido, apresentado como prefácio da última edição de Raízes do Brasil. Ver: p.10.

[11] GOLDMAN, Elisa. A Cultura Personalista como Herança Colonial em Raízes do Brasil. Disponível em: . Acesso em: 20. abr. 2008.

[12] No espaço do seu site, Schilling assim escreve: “O próprio Sérgio Buarque, cujo centenário de nascimento comemora-se no dia 11 de julho, divertia-se com aquilo, comprovando assim a eficácia de uma das suas teses famosas: a da inata cordialidade do homem brasileiro”. Para o texto na íntegra, acessar: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/brasil/2002/07/03/001.htm.

[13] SOUZA, loc. cit.

Publicado em WebArtigos: http://www.webartigos.com/articles/17520/1/analise-da-obra-raizes-do-brasil-de-sergio-buarque-de-holanda/pagina1.html

segunda-feira, 6 de abril de 2009

E Deus Criou a Mulher, no Ciclo de Cinema Histórico

Na última sexta assistimos ao filme 'E Deus Criou a Mulher' (FRA/ITA, 95 min., 1956), dirgido por Roger Vadim. Finalmente vi a tal de Brigitte Bardot atuando. Pra muitos a moça é considerada a mais bonita de todos os tempos, o que tenho lá minhas dúvidas. Certamente ela não é uma figura feminina qualquer, mas definições atemporais como essas, sobretudo em relação a um assunto (a beleza) que dificilmente conseguimos um acordo, considero um tanto exageradas.

Em relação ao filme, entendi o motivo da sua exibição, afinal a atriz principal era a dita loira, mas, em essência, esse tipo de cinema simplesmente contribui para consolidar um estereótipo da mulher como sendo algo 'demoníaco'. Poderia dizer ainda que vi nele um elogio à beleza, mas uma reafirmação de que o demônio veste a máscara de uma mulher, o que sabemos ser um equívoco, pois os homens muitas vezes também vestem a carapaça diabólica, se é que voces me entendem. A seguir, uma foto global da mesa:

A mesa formada por Marlete Golke (à esquerda), Camila (centro) e Vinicius (a esquerda). Os posicionados nos extremos da mesa foram responsáveis pelos comentários do filme.


Carta ao Carrefour

A ser depositada.

Clique na imagem para vê-la em tamanho maior



sexta-feira, 3 de abril de 2009

Johnny Guitar, no Ciclo de Cinema Histórico

Johnny Guitar (EUA, 110 min., 1954), o filme de ontem exibido no ciclo, apresentava uma história incomum: uma mulher pistoleira (Joan Crawford) em um faroeste que historicamente foi dominado pelos homens. Só por isso já valia assiti-lo. Sempre ouvi falar bem do filme e fico imaginando o impacto que deve ter causado no momento de sua produção. Não por acaso esta película foi incluída em um ciclo sobre mulheres, apesar do título fazer referência ao personagem masculino. No filme, Guitar esconde sua identidade real, cujo sobrenome é Logan e a sua fama é de grande pistoleiro. Como foi dito no filme, ele era rápido no gatilho.

À propósito, quem conheceu a Editora Poder (que existiu entre 1990 e 1998) certamente se lembrará de Schol, o policial rápido no gatilho...

Agora, duas fotos da sessão de ontem:

A mesa composta por Humberta e Natacha

Natacha comtando Johnny Guitar

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Albert Camus

Estou relendo esta obra para o futuro comentário no Ciclo. A seguinte frase me chamou a atenção.

De Albert Camus:






O homem é a única criatura que se recusa a ser o que é.

CAMUS, Albert. O homem revoltado. Rio de janeiro: Record, 2008, p. 21.

Nós, as mulheres, no Ciclo de Cinema Histórico

Antes da fraca vitória do Brasil por 3 a 0 contra o Peru, assistimos no ciclo o filme Nós, as Mulheres (ITA, 95 min., 1953), sob a direção de cinco italianos: Luchino Visconti; Roberto Rossellini; Gianni Franciolini; Alfredo Guarini e Luigi Zampa. Nele estavam retratados momentos particulares da vida real de cada uma das atrizes (Alida Valli, Ingrid Bergman, Isa Miranda e Anna Magnani), além de um filme inicial que dava sentido às outras histórias (Quatro Atrizes: uma esperança).

Em um dos episódios, um taxista cobrava de uma das personagens a quantia de 1 lira para transportar o seu cachorro (por considerar que o animal não era 'de colo'). E como se sabe, agora nas viagens intermunicipais dentro do RS também é possível levar cães e gatos, desde que se pague a METADE do valor de uma passagem normal. Por exemplo: se a a viagem custa R$ 40,00 para um indíviduo da espécie homo sapiens, o seu respectivo animal de estimação paga exatamente R$ 20,00 para ser transportado. Como se vê, um aparente absurdo presente nos filmes italianos sobrevive também dentro do território guasca. O filme em si, como destacou a comentarista, tratava do momento histórico (década de 50) em que as mulheres passaram a ter preocupações não apenas familiares como também profissionais. Como resgate desse aspecto, creio que o filme valeu. A seguir, fotos da sessão:


A mesa comandada por Alexandre Maccari

Cristine Zanella, a comentarista

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Os homens preferem as loiras, no Ciclo de Cinema Histórico

Nesta terça-feira tivemos o terceiro filme do ciclo sobre mulheres: Os homens preferem as loiras (EUA, 91 min., 1953), com direção de Howard Hawks. Apesar do barulho ensurdecedor do ar condicionado, que atrapalhou a sessão, o filme foi divertido. Era a historinha de uma loira apaixonada por diamantes, que procurava um homem rico capaz de cumprir seus desejos. A estrela da vez era Marilyn Monroe. Para uns, a loira (falsa, diga-se de passagem) é um símbolo feminista dos anos cinquenta. Para outros, uma jovem que contribuiu na construção da identidade da mulher como um objeto sexual. Concordando com a comentarista Paula Rafaela, ao contrário do título do filme, não ficou claro que os homens realmente preferem as loiras. Discussões à parte, aí estão algumas fotos de ontem:

Imagem que resume a idéia do filme


A mesa: Alexandre Maccari (mediador) e Paula (comentarista)


Paula falando sobre Os homens preferem as loiras